- Oi. Quanto tempo não? Já faz algum tempo que você não aparece. O que aconteceu hoje? Não havia ninguém além de mim para você visitar?
Hoje eu acordei meio
sei lá. Estava tudo chato, tudo estranho e meio sem cor. Minha paciência
resolveu dar uma volta. Ela disse que seria uma volta de apenas 5 minutos, mas
eu pude perceber que foi uma volta de mais ou menos duas horas. Ela me fez
falta durante essas horas em que se ausentou. O sol estava quente e me irritava.
A casa estava fria e me irritava. Na tv não passava nada de interessante. O
chocolate na cômoda não parecia apetitoso. Aquela nostalgia do não entender a
sua existência no mundo surgiu. Aquela inquietude de não encontrar um lugar
para conseguir se aquietar apareceu. Aqueles pensamentos confusos e pesados
começaram a me incomodar. Eu estava com aquela antiga irritação de viver. E
então eu percebi: era dia dela me visitar. Aquela velha conhecida e companheira
de momentos variados. Ela aparecia assim, sem hora marcada, a qualquer momento
e em qualquer lugar.
- Então, hoje eu acordei assim. Sempre tem um dia né? Você
sabe como é. Você acorda sem vontade de acordar e passa o dia inteiro tentando
voltar a dormir mesmo sem sentir sono. Não sei por que isso acontece, mas sei
que a culpa é sua. Tento entender porque você existe.
- Sim, sei bem como é. Sei exatamente como é porque sou eu a
causadora disso, e posso dizer que você também é. Você precisa buscar no âmago
do seu ser o que te deixou assim. Só assim eu conseguirei te ajudar. Você tem que me sentir profundamente, sem
questionar a minha presença. Sem pedir que eu vá embora. Eu só vou quando tiver
cumprido a minha missão.
- Me aliviou muito saber que a causa desse descontentamento
sou eu mesma. Fiquei muito feliz por saber que você aparece pra me ajudar. Mas
na real, não é o que parece. Você deve estar confusa, apenas isso explica essa
incoerência toda. Na verdade, você deve
estar com amnésia. Acho que você nem deve lembrar qual é o seu nome. Pergunto-me
que missão é essa que você tem que cumprir.
- Menina, é claro que eu lembro o meu nome. Chamam-me de Tristeza,
mas eu acho que não combino com esse nome. Veja bem, no dicionário a minha
definição é: estado de quem sente insatisfação, mal-estar ou abatimento, por
vezes sem razão aparente; melancolia, angústia, inquietação. Eu acredito que
sou muito mais que isso. Eu venho pra transformar. Você não acha?
- Pois é Tristeza, a sua definição no dicionário está corretíssima
e é exatamente assim que eu me sinto. Estou insatisfeita com nada e com tudo ao
mesmo tempo, estou inquieta, abatida, angustiada, melancólica e tudo isso sem motivo
algum. Simplesmente acordei assim. Agora me explique o que você veio
transformar.
- Ok menina, você tem um pingo de razão. Mas me diga, o que
você fez ontem?
- Pingo de razão? O que eu fiz ontem? É senhora Tristeza,
você realmente não está bem...
- Ande menina, pare de dizer que não estou bem e me conte.
- Hum... Bem... Ontem eu acordei e tomei café da manhã. Tomei
banho, fui ao centro da cidade comprar algumas bobagens e reencontrei alguns
amigos. Conversei um pouco e depois fui pra casa. Tive um desentendimento com
meus pais no meio da tarde e a noite machuquei meu dedo tentando arrumar o meu
celular que quebrou. Antes de dormir discuti com a minha irmã e depois demorei
pra pegar no sono. Lembro que a última vez que fui beber água, já passava das
três da madrugada.
- Hum, explicado. Ansiedade,
saudade, mágoa, raiva, dor, estresse e cansaço. Pronto, acho que já posso ir embora. Fique bem menina. Até algum dia...
- Não Tristeza, espere, não terminei de falar...
Fiquei lembrando-me do dia anterior. Peguei minha agenda e
marquei de combinar na próxima semana um encontro com aqueles velhos amigos. Resolvi
pedir desculpas pela injustiça que cometi com meus pais. Lembrei que meu antigo
celular ainda funcionava e que eu o adorava. Minha irmã me entregou um sonho de
valsa e disse algo sobre uma banda de reggae ao deixar algumas coisas em cima
da mesa. E depois de um cochilo no meio da tarde, nem lembrei que a senhora
Tristeza tinha vindo me visitar. Ela cumpriu a sua missão.
Da próxima vez, vou adiantar o trabalho dela. Eu sei que ela
gosta de mim e sempre que ela aparece, ela me faz algum bem. Só tenho que saber
senti-la para entender o que é que ela quer me dizer.
( Alessandra Rocha)