quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Inquilina indesejada


A nova inquilina já havia se instalado dentro dela. Já estava até mudando os móveis de lugar e fazendo uma nova decoração. A mágoa era uma inquilina indesejada e ela sabia que teria que expulsá-la para que os sentimentos bons voltassem a fazer morada. 




Dois dias antes...



Gritos. Raiva. Choro. Cobranças. Ofensas. Sentimento de injustiça. 
Ela achou que não guardava mágoa, mas percebeu que varreu ela por muito tempo para debaixo do tapete. E esse tapete, encontrava-se em seu coração. 
Ainda havia vestígios de que nada tinha sido superado. Havia vestígios de ressentimentos antigos e que estavam ocultos há muito tempo. 
Ela desabou. Caiu em pedaços no chão do banheiro. Seu pranto fazia sintonia com as gotas de água que caiam abundantemente do chuveiro. Seu soluço era ensurdecedor. Ela tossia e sentia gosto de sangue na garganta. E ela sabia: aquele era o gosto eminente da mágoa. 
Ela sentia ânsia e queria vomitar. Mas como vomitar algo que está no coração? 
Ela se lavava com fervor. Estava banhada de água e lágrimas. Ela se esfregava com força e suplicava por cura. Ela pedia pra Deus, que lavasse aquela mágoa dela. Que levasse-a embora com a água que descia pelo esgoto.  

Ela saiu do banheiro. E ainda em prantos se vestia desesperadamente. Ela precisava sair daquele lugar. Ela precisava fugir. Pois não havia ninguém naquele recinto, capaz de ouvir o que o seu silêncio gritava, com a sensibilidade de entender o que o seu pranto pronunciava. Ela se sentia só. 
Naquele momento ela só precisava de um colo, um abraço. Ela só precisava de alguém que ouvisse o seu silêncio sem nada dizer. 

Ela saiu sem rumo. As únicas coisas que conseguiu pensar em pegar foram: chave, celular e fones de ouvido.
Ela precisava ficar só. Só consigo mesma. Mas ela lembrou que não ficaria só, havia uma inquilina dentro dela. E era a respeito disso que ela precisava pensar.
Ela olhava ao seu redor confusa. Tudo não passava de figuras embaçadas. Ela estava alheia ao mundo de fora. O que ela enxergava com nitidez era o mundo que pulsava dentro dela.
Ainda havia lágrimas. Mágoa liquída era o melhor nome para aquele rio incessante que escorria dos seus olhos. As lágrimas faziam companhia para a garoa que começou a cair. 

Depois de três horas longe, ela decidiu que tinha que voltar. 
Trocou de roupa. Deitou-se em sua cama e aquietou-se. Um emaranhado de pensamentos a perturbava e a mágoa fazia uma festa barulhenta em sua nova residência. Ela colocou novamente seus fones de ouvido, na tentativa de não mais pensar, de não mais ouvir a sua dor. E as lágrimas voltaram a cair. Ela lavou o rosto em vão, antes de se deitar. 
M-Á-G-O-A, ela soletrava pra si mesma. Quanta mágoa!
Ela sabia que tinha que fazer algo quanto a isso, e entregou sua dor em oração para Deus.
 ORAR-AÇÃO.
Além de orar, ela teria que agir. Mas como? O que fazer pra tirar aquela inquilina indesejada de dentro de si? 
Respirou fundo e ficou procurando uma solução. Mas tão exaurida de tudo, ela dormiu sem saber. 


"Por favor... 
Deixe em paz meu coração. 
Que ele é um pote até aqui de mágoa.
 E qualquer desatenção, faça não.
 Pode ser a gota d'água."

Chico Buarque



Alessandra Rocha 
  


3 comentários:

  1. Pequena,

    Desconheço lugar mais propício para vomitar dor do que o chão gelado do banheiro, ainda que não eficiente o suficiente para expulsar a inquilina.

    "ORAR-AÇÂO" - essa é a melhor resposta. Até porque corações em que se cultiva amor não abriga indefinidamente essa espécie de inquilino.

    Um beijo e todo meu carinho, andorinha.

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  2. Mas, quando a gente acorda de um sono assim, sabemos o que fazer. Se a inquilina é indesejada, minha menina, você pode expulsá-la. Afinal, é dona de si e de seu coração. E eu sei que seu coração é inóspito para tal inquilina. Seu coração é bom demais para deixá-la ali. Ele a expulsará, sim.

    Ah, às vezes só precisamos que alguém ouça nossos silêncios e tudo o que eles querem dizer. Sinta meu abraço, minha linda.

    Um beijo grande. Te quero bem.

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  3. Menina pequena. Quanto choro coube dentro dessa mágoa? Quantos soluços por conta da incompreensão...
    Nosso ser cresce a cada instante e momento vivido, porém, pessoas de alma límpida como você, têm o amadurecimento acelerado. Veja bem, poucas pessoas tem a sorte de saber lidar com os infortúnios da vida, é positivo que façamos dos obstáculos exercícios para uma vida mais cheia de perspicácia. Daqui a uns anos todos esses dissabores serão nível 'easy' pra você.

    E, sobretudo, fico feliz em participar do teu crescimento como pessoa. Que sorte a minha ter encontrado você.

    Meu abraço sincero e demorado, minha respiração calma e a leveza de um beijo meu. Amo-te.

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